quinta-feira, 12 de abril de 2007

Minha casa sou eu.

O jeito como nos relacionamos com ela expressa o que há de mais íntimo dentro de nós.
Texto original de Isabel Vieira
Conheço um homem que nunca se sentiu em casa na casa em que vivia. Não que houvesse algo de errado com ela - pelo contrário. Os que a freqüentavam não compreendiam. Como alguém podia sentir-se mal numa casa bonita, aconchegante e bem equipada, onde nunca faltaram roupas limpas nas gavetas e aromas culinários da melhor qualidade na cozinha? Mas ele não gostava de voltar à casa depois de um dia de trabalho, ou de usufruir de seus confortos nos fins de semana; durante anos, fez o possível para estar sempre fora e justificava com os mais variados motivos seu mal-estar. Tinha a sensação de a casa pertencer à mulher, não ao casal, dizia; ela a administrava levando em conta somente seus próprios hábitos e os dos filhos; ele não passava de um hóspede ali.
Concretamente a queixa não procedia. O jantar era conturbado pela desordem das crianças, que insistiam em ver televisão enquanto comiam? Fácil, era só estabelecerem horários diferentes para a programação e para as refeições. Havia poucas festas e jantares para os amigos dele? Ela ensaiava esperançosas tentativas de vê-lo envolver-se ao menos com os drinques, nessas ocasiões – mas, como se um fio invisível o prendesse à rua, ele invariavelmente tinha problemas no escritório e se atrasava, encarando as visitas como mais uma tediosa obrigação.
Anos mais tarde, depois que se separaram, ele confessou. Surpreso, descobrira que tampouco se sentia feliz no seu novo apartamento, escolhido, decorado e gerenciado a seu modo, com a ajuda de uma daquelas super-empregadas que só as casas sem patroa nem crianças têm a felicidade de conhecer. Não se sentia bem em nenhuma casa porque não se sentia confortável consigo mesmo, com o seu interior. A analogia é tão clara quanto verdadeira: sentir-se em casa é encarar de frente nossa alma, nossos sonhos, nossas angústias, nossos fracassos, dar um mergulho no mais fundo de nós. Não há nada mais íntimo no mundo que uma casa. Não é à toa, portanto, que as casas se parecem tanto com quem vive nelas – você já reparou? Independente de sua riqueza ou simplicidade, há casas que nos passam a sensação de calor ou de frieza, de horizontes largos ou de confinamento, de descontração ou de formalidade, de futilidade ou de valores verdadeiros, de aconchego ou de rejeição. Pode ter certeza: quem mora ali é assim também.
Por isso, me impressiona menos a quantidade de dólares que um a casa vale do que aquilo que me fala ao coração. Conheci uma assim, de um casal e suas duas filhas, que viviam numa ilha no litoral de São Paulo. Não devia ter mais que 100 metros quadrados e era desprovida da maioria dos luxos da nossa civilização. Mas o calor que se desprendia de suas paredes, misturado ao aroma do pão caseiro que minha amiga assava na cozinha, integrada à sala por meio de um simples balcão, atraía as pessoas mis incríveis para dentro dela – até algumas que viviam em mansões. Tempos depois eles se mudaram, a casa foi vendida por uns poucos trocados, mas sua capacidade de aglutinar pessoas não se esgotou.
Fui visitá-los em outra ilha, no sul distante, e estava curiosa para conhecer a nova casa, que eu sabia ser bem diferente da primeira, tanto no projeto como na topografia do terreno. Não fiquei surpresa ao constatar o óbvio: era igualzinha. Porque seu interior – o dos seus donos – não havia mudado.

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