quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Casa Materna

A casa materna é uma presença constante nas autobiografias. Nem sempre é a primeira casa que se conheceu, mas é aquela em que vivemos os momentos mais importantes da infância. Ela é o centro geométrico do mundo, a cidade cresce a partir dela, em todas as direções. Fixamos a casa com as dimensões que ela teve para nós e causa espanto a redução que sofre quando vamos revê-la com os olhos de adulto.

O espaço da primeira infância pode não transpor os limites da casa materna, do quintal, de um pedaço de rua de bairro. Seu espaço nos parece enorme, cheio de possibilidades de aventura. A janela que dá para um estreito canteiro abre-se para um jardim de sonho, o vão embaixo da escada é uma caverna para os dias de chuva.

A criança muito pequena pode ignorar que seu lar pertence a um mundo mais vasto. O espaço que ela vivencia, como o dos primitivos, é mítico, heterogêneo, habitado por influências mágicas. A mesa da família possui um lado onde é bom comer, o lado fasto onde senta-se mamãe e é agradável estar; no lado de lá, o retrato do tio avô que me olha fixo, às vezes feroz, torna o lado nefasto onde eu recuso comida e choramingo. Tudo é tão penetrado de afetos, móveis, cantos, portas e desvãos, que mudar é perder uma parte de si mesmo; é deixar para trás lembranças que precisam deste ambiente para reviver. Para a criança que ainda não se relacionou com o mundo mais amplo, a mudança pode ter um caráter de ruptura e abandono.

Há sempre uma casa privilegiada que podemos descrever bem, em geral a casa da infância ou a primeira casa dos recém-casados onde começou uma nova vida. Alguns detalhes chamam a atenção: o número de janelas que dão para a frente, as ruas eram gostosas de se ver, nem havia a preocupação de isolamento, como hoje, em que altos muros mantém a privacidade e escondem a fachada. Então, janelas que dão para a rua são encarecidas e naturalmente o quintal para a criança e o porão.

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