sexta-feira, 30 de maio de 2008

HISTÓRIAS DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA.

Ville Savoy
Se os modernistas no íntimo desenhavam tendo em mente o belo, por que justificavam o seu trabalho principalmente em termos técnicos?
Tão forte era o interesse estético dos modernistas que ele várias vezes prevalecia sobre considerações a respeito da eficiência. A Villa Savoye podia parecer uma máquina com intenções práticas, mas era na realidade uma extravagância com motivações artísticas. As paredes nuas foram feitas à mão por artesãos com argamassa caríssima importada da Suíça, eram delicadas como renda e tão destinadas a gerar sentimentos quanto as naves incrustadas de jóias de igrejas da Contra-Reforma.

Pelos próprios padrões do modernismo, a cobertura da Villa Savoye era igualmente, e ainda mais desastrosamente, desonesta. A despeito dos protestos iniciais dos Savoye, Le Corbusier insistiu supostamente com base em argumentos técnicos e econômicos apenas – que uma cobertura plana seria preferível a uma pontuda. Seria, ele garantiu aos seus clientes, mais barato para construir, mais fácil para conservar e mais fresco no verão, e Madame Savoye poderia fazer a sua ginástica em cima dela sem ser importunada por vapores úmidos que emanavam do térreo.

Mas a família se mudara havia uma semana apenas quando a cobertura por cima do quarto de Roger apresentou um vazamento, deixando passar tanta água que o menino contraiu uma infecção pulmonar, que se transformou em pneumonia, e ele acabou sendo obrigado a passar um ano recuperando-se num sanatório em Chamonix. Em setembro de 1936, seis anos depois do término oficial da construção da Villa, Madame Savoy resumiu os seus sentimentos sobre o desempenho da cobertura plana numa carta (respingada de chuva): “Está chovendo no hall, está chovendo na rampa, e a parede da garagem está totalmente encharcada. E o que é pior, continua chovendo no meu banheiro, que inunda com o mau tempo, pois a água passa através da clarabóia.”

Le Corbusier prometeu que o problema seria sanado imediatamente, e aproveitou a oportunidade para lembrar à sua cliente que o projeto para a cobertura plana fora recebido com entusiasmo por críticos especializados em arquitetura no mundo inteiro: “Os senhores deveriam colocar um livro sobre a mesa no hall do primeiro andar e pedir a todos os visitantes para registrarem por escrito os seus nomes e endereços. Verão que bela coleção de autógrafos será” Mas esta sugestão não serviu de consolo para a insatisfeita família Savoye. “Após inúmeros pedidos de minha parte, o senhor finalmente reconheceu que esta casa que construiu em 1929 é inabitável.” Repreendeu Madame Savoye no outono de 1937. “A sua responsabilidade está em jogo e eu não tenho que arcar com as despesas. Por favor torne-a habitável imediatamente. Espero sinceramente não ser preciso recorrer à justiça”.

Só a deflagração da Segunda Guerra Mundial e a consequente fuga da Família Savoye de Paris salvou Lê Corbusier de ter de responder no tribunal pelo projeto da sua máquina-de-morar praticamente inabitável, embora belíssima.

Extraído do livro A arquitetura da Felicidade de Alain de Botton – ed. Rocco.

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